domingo, 10 de junho de 2018

Trinta e quatro


Junho, inverno brasileiro, 1984, 11:34am.
Nasci em uma manhã de inverno tropical. Não sei se o movimento dos planetas influenciam na minha jornada por causa desses números mas reverencio a minha jornada todos os dias.

Não me apego a datas, principalmente, as meramente comerciais. Sempre fui assim. Talvez, a consciência precoce  sobre a efemeridade das coisas tenha sempre me levado pro momento presente, a apreciar os pequenos instantes, a agradecer pelo  momento e pelos pequenos gestos. Tenho gosto pelo simples. A vida é um sopro... um sopro!

O tempo, esse mistério indefinido, tem me convidado  a olhar mais demorado, a caminhar mais devagar, a observar além da superfície, a compreender melhor o curso das coisas, a pensar com mais carinho sobre tudo que difere de mim, a desatar os nós sem rasgar as sacolas e  a agradecer pelos  novos percalços - quaisquer que sejam eles. O tempo tem me instigado a reconectar com vozes antigas e a reler histórias  enraizadas em mim.

Vejo que mudei. Muitos interesses e afinidades mudaram, algumas ideias  já  não são as mesmas e outras tantas estão mais sedimentadas. O que fica é a essência, essa que me norteia e me estrutura. Essa essência que transcende tempo e espaço,  essa que herdei do meu pai, de minha mãe e do chão que me criei.

O tempo também me trouxe a serenidade do entendimento de minhas incompletudes. Nada me define ou completa. Sou milhares numa corda bamba. Me descobrindo, caindo, levantando, seguindo, chorando, sorrindo, me superando e celebrando tudo isso. Sempre.
Hoje, sinto tudo  ainda com mais leveza. Me vejo caminhando muitas vezes na contramão e tudo bem ir pro Norte quando a maioria vão  pro Sul. Somos todos um no final. Talvez, resultados da explosão de uma mesma molécula.

Além de tantas outras, o tempo também me trouxe a sensação de alegria em viver bem em minha própria pele. Aliás, sempre me senti assim. Contente com todos os meus ônus e bônus. E, finalmente, o tempo também continua me trazendo doces surpresas:
Frutos
Sementes
E flores que nascerão em qualquer primavera. 

terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

Patinando em meus trinta e três

Outro dia, meu marido me levou pra patinar no gelo e essa experiência foi  uma das mais divertidas e amedrotantes que já tive em se tratando de atividade física. Deu um medo danado de cair e quebrar o nariz, uma perna ou de bater a cabeça e ter que me despedir disso tudo aqui. Senti muita aflição quando  pensava que derrubaria alguém ou que poderia ser derrubada. Essa agonia te acompanha durante milhares de tentativas de deslizar o patins naquela pista imensa, gelada e repleta de gente cambaliando e patinando por todos os lados.

Manter o equilíbrio usando um sapato com suporte de metal me deu, literalmente, muito frio na barriga mas faz muito tempo que me descobri atraída por desafios, especialmente, os que me tiram da minha zona de conforto. Mesmo cheia de medo, a  experiência valeu por cada gargalhada e, garanto, foram  as mais altas do estádio. A prova real de que uma jovem adulta estava sendo criança de novo.

Patinar no gelo não  somente me divertiu mas também me levou pra longe, lá pra coleção de lembranças. Nas memórias mais divertidas de minha infância tem sempre uma bicicleta vermelha de segunda mão, um banho de chuva e de bica,  um par de patins velho, um carrinho de rolimã dos primos, as férias na avó e na bisa e as peças de teatro com o tio que também era o meu crush.

Tem sempre um monte de primo gritando, raladura nas pernas, brincadeiras de pular corda, três Marias, esconde-esconde e sabores do geladinho da vizinha. Tem roupa, gibis e brinquedos  repassados de primo para primo. Tem também aula de datilografia e tardes praticando caligrafia, muitos desenhos com giz de cera, banho no rio, Chaves toda tarde,  cara de boneca pintada de batom e a tabuada de 7, orgulhosamente, decorada. 

Nessas lembranças, tem também ardido de merthiolate no joelho, braço engessado, gosto de fruta arrancada do pé e, também, a total ausência da consciência do que era a vida. Era eu, genuinamente, criança. 

Mas essa coisa de patinar no gelo também me trouxe para o meu tempo  presente quando me fez refletir no  que tenho aprendido, no que tenho decidido desaprender e em quem tenho me tornado. Entre uma queda e um escorregão, essa tempestade de lembranças e pensamentos foram ganhando sentido e me dei conta que patinar não é tão diferente da vida. Eis as lições assimiladas: 

1. Você vai cair. Muitas vezes? Diversas vezes. Mas é preciso lembrar que o mesmo chão que você cai é também o mesmo chão que você usará  de apoio para levantar. Anotei isso em minha agenda caso eu esqueça. 

2. Alguém vai te empurrar por acidente ou intencionalmente e, se você cair, terá duas alternativas: ficar no chão chateado com quem te derrubou ou levantar e seguir. Se escolher seguir patinando, não esqueça de sorrir. Um sorriso genuíno tem a força de 37 raios e se quem te derrubou for sábio, vai escolher ser inspirado positivamente pela sua atitude. 

3. Aprendi também que do mesmo modo que existe aquele que te empurra, haverá de ter aquele  bem gentil que te ajuda a levantar. Acredite nisso, há muitas pessoas com boas intenções em todas as partes, de todos os credos e cores. Seja grato e retribua a gentileza gerando outras gentilezas por onde passar. 

4. Outra coisa que aprendi foi que, muitas vezes, a melhor coisa a se fazer depois de um tombo é rir de você mesmo. O sucesso e o fracasso são bons. Busque a sua serenidade, o entendimento desse fato está nela. 

5. Outra lição aprendida,  durante o processo, alguns amigos estarão patinando ao seu lado,  vocês rirão e aprenderão muitas coisas juntos, eles ajudarão a te reeguer e você fará o mesmo por eles e, de vez quando, vocês se desligarão. Respeite esse fato, tudo passa. Vocês já cumpriram a missão de um na vida do outro. Siga patinando e seja grato pela passagem deles.


6. Parar pra respirar e renovar as energias foi outra lição importante. Você caiu 78 vezes e levantou 91 outras, parece que já está entendendo a técnica e já consegue deslizar os patins com uma certa audácia, até já rodopia e posa pra fotos. Não seja tão convencido, PAUSE e RESPIRE! As pausas são tão importantes quanto a prática. Elas nos ajudam a nortear nosso próximo passo. Pause, não esqueça. Pause e respire. Deixe o seu corpo escutar a sua mente.

7. E, a última lição mas não menos importante: não compare o seu desenvolvimento com o dos outros. Temos todos tempos de aprendizado diferentes, todos nós temos habilidades distintas e, se você observar ao redor, estamos todos patinando na mesma pista e temos todos nossas próprias jornadas. Seja você, prefira você, admire seus progressos, mostre-os, compartilhe-os, inspire pessoas, faça qualquer merda épica, curta quem você é e o que você faz. 

No final, acho que aquela criança que não tinha consciência do significado da vida cresceu e continua não sabendo exatamente porque está aqui, mas já entendeu que a vida é  uma grande incógnita cambaleante, como quando ela está em cima dos patins.