quinta-feira, 20 de julho de 2017

Carta aberta à Olivia - A primeira

Filha:

São muitas as marcas que você tem deixado em mim. Algumas, é verdade, não tão agradáveis aos meus olhos: algumas estrias nas ancas, uma cicatriz mágica e um corpo que se transformou inteiro com o único propósito de gerar você. Olho para essas mudanças no espelho e me alegro por ter a felicidade de viver esse momento. Essas marcas passam a ser insignificantes em meio ao meu peito cheio de leite e de um amor inédito nascido desde o dia que descobrimos sobre a sua existência em nós.

Esse amor foi ganhando forma e proporção à medida que você também ganhava a sua própria. Um dia você foi do tamanho de um único grão de gergelim e, de repente, nos contaram que você correspondia ao tamanho de um abacaxi. O que eu vivia não fazia sentido no espaço e sequer no tempo cronológico, tudo acontecia em um piscar de olhos e, enquanto isso, o nosso amor por você se expandia em cada decisão que tomávamos  e explodia em nossos olhos. Os sentimentos se multiplicavam a cada chute que você dava e cada movimento do seu coração, esse que batia acelerado, tão pronto pra vida que te esperava aqui fora. 
Por mais que eu tente te contar sobre a alegria de ter você, eu continuo me perguntando e me repetindo: como organizar em parágrafos todos esses sentimentos difusos? Tenho certeza que essa sintaxe está muito bagunçada mas não quero edição, não quero corrigir nada. Que as palavras venham de forma orgânica, assim meio cruas e loucas. Amar é uma loucura e é  sobre esse amor que venho tentando falar desde o dia que descobrimos você. Até aqui, tenho uma única certeza sem medo de errar, você foi a melhor descoberta de minha vida, Olivia.

Estou tentando escrever sobre o seu acontecimento em nossas vidas, filha, tenha paciência, não é fácil colocar em palavras e, menos ainda, fazer com que elas tenham sentido. Faz tanto tempo que tento escrever algo e, quanto mais eu tento, mais complexo isso se torna. A emoção de sua existência me deixou por um tempo muda, meio abestalhada. Ela ultrapassou as minhas gramáticas e vocabulários. Entre o exercício de escrever e ler, vou achando tudo isso engraçado. Escrevo uma linha e releio... rio, choro e vibro. E algo surpreendente acontece: de alguma forma, reconheço essa sensação tão deliciosamente estranha... é quase como um deja vu: estou apaixonada por você como um adolescente tentando declarar o seu amor.

Já li poemas diversos, dos desconhecidos aos antigos. Já escutei as minhas canções favoritas, companhias preciosas e uma das maneiras mais sofisticadas e simples que encontrei de me comunicar com o Universo. Fiz também longas e silenciosas caminhadas sozinha, algumas delas, acompanhada pelo seu pai, o homem mais íntegro e encantador que já conheci na vida. Enquanto te carregava no ventre, visitei alguns lugares encantados, assisti documentários e filmes dos mais tolos aos mais interessantes, saboreei comidas exóticas, escrevi e recebi cartas de pessoas queridas, comecei um curso básico de fotografia, visitei um templo de oração, me despedi do meu ofício de professora por um tempo, fiz um pacto com o seu pai, comecei a me interessar por leituras que não faziam parte de minhas curiosidades e tantas outras aventuras vividas enquanto você crescia, latente e pulsante dentro de mim.

Mesmo depois de tantas vivências novas, mesmo assim, as palavras não apareciam e ainda não parecem eficientes para descrever tudo que carrego no peito por e para você. Pretendo escrever mais cartas e o desejo aqui é só o de ser e deixar ser. Permitir que as palavras ganhem sentido não sob o recurso  de normas gramaticais mas através do que sinto agora olhando para você nesse cochilo sereno, parecendo um passarinho voando.

Até breve,


Sua mãe




Ps. Estou a quase 78 minutos admirando você dormir.