(Texto que escrevi por sugestão de duas amigas, uma hetero e a outra homossexual. Nunca rolou nada entre elas, mas apareceu uma foto... Nela, as duas estavam com os rostos próximos, quase beijo. daí me desafiaram a descrever como seria uma relação entre as duas. Topei a parada e o texto é esse aí...)
Apenas um lance do jogo
Jogo de meninas. Entrei pelo meio, fui chamado de fuleiro e rolou desafio. Melhor, provocação: como eu descreveria uma trepada gostosa delas. Tudo por causa da foto. Bitoquinha de gatinhas, olhares fixos, rostos de perfil, um certo clima... Que eu fiz de conta que saquei, mas a gente nunca saca de verdade, porque quando se entra no infinito particular feminino, o babado é forte. Aceitei o desafio, mas preservarei os nomes... Vou chamá-las de Luz e Céu.
A Luz, conheci no escuro. Só dava pra ver os dois olhos, imensos, e a claridade do sorriso, que, entre franco e dissimulado, abateu a presa. Do Céu, conheço poucas letras, frases estudadas e os olhos molhados. Das duas, só imaginação: a convivência nos corredores e banheiros da faculdade; o roçar dos braços em seios; o olhar voluptuoso para as curvas sinuosas, bocas entreabertas, ângulos de decotes. E o desejo, que não arrisco satisfeito, mas que, se não, foi por pura maldade.
A foto do beijo me sugeriu a idéia de unidade. De tempo, espaço e ação, trazendo a unidade também para a forma, céu de letras, luz de letras, paixão por narrativas. Peço emprestado o conceito à velha biba grega*: Unidade de espaço: o quarto, a cama, lençóis e almofadas em cores quentes que variam do vinho (muitos tons acima do vermelho) ao violeta meio azulado. Cortinas e quadros. Quadros de mulheres, pinturas renascentistas, mulheres brancas e roliças, seios volumosos, quadris largos, exageros almodovarianos. Cortinas barrocas, com franjas. E a cama.
Unidade de tempo. Que não passa. Tempo em suspensão, o instante perpetuado na imobilidade do mundo, enquanto no quarto o movimento rola solto. Um tempo que não pode ser medido em minutos ou segundos, mas em calpas, a noção budista das várias eternidades, explicada por Borges. O tempo não passa, passam-se mãos sobre os cabelos enquanto os olhares se perdem no tempo. Passam-se línguas sobre a pele, e fita-se o tempo esperando secar a saliva. Pra que pressa? Vai fazer o que? Não é melhor que assistir a programas de TV ou a desmantê-los de casamentos?
Unidade de ação. Que começa no banho, com trilha dos nossos estranhos amores cantados por aquela velha senhora santamarense**. Não é uma banheira, é um jardim de delícias. Os movimentos suaves afastam tênues cortinas de espumas coloridas pelo reflexo da cor das peles. Há contato de corpos, abraços, pequenos toques, cuidados com reentrâncias. E o banho continua na cama. As preliminares precedem as preliminares? Beijos longos e oceânicos e experiências táteis. O sentimento masculino da ação é a sensação da falta. Mas como, se elas possuem outras opções de posse? Unidade na diversidade, as posições variam: encaixes pélvicos, a inversão dos corpos, mecanismos de compensação. Não falta nada.
Como eu sei de tudo isso se o jogo nem foi transmitido? Eu poderia estar lá, quem sabe. Apenas como observador, uma câmera na mão, mil idéias na cabeça, apenas vendo as meninas. Em meio a tantas dúvidas, uma certeza. Eu veria apenas um lance do jogo.
* Velha biba grega: Aristóteles, responsável pela teoria da unidade de tempo, espaço e ação, fundamental para o cinema e o teatro.
** Velha senhora santamarense: Caetano Veloso, claro...
[Chico Pinto]
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