Eu tive a oportunidade de entender quem você era de verdade antes de sua partida. Há muito tempo eu já entendia.
Deus é tão bom comigo, pai…
Eu nem mereço.
Eu tive a oportunidade de entender quem você era de verdade antes de sua partida. Há muito tempo eu já entendia.
Deus é tão bom comigo, pai…
Eu nem mereço.
Temos uma murta de crepe do lado de fora da janela de nosso quarto. Essa é a mesma árvore em estações distintas. Esse arbusto que tanto aprecio tem ilustrado acontecimentos em minha vida nos últimos 7 meses. Essa planta tão dinâmica tem mostrado como Deus é misericordioso e perfeito na execução dos planos d’Ele em nossas vidas.
Eu tenho um hábito antigo de recolher-me no inverno, fico para pouquíssimos, é um costume natural. Não tem a ver com ânimo, mas com modos. Eu continuo vivendo tudo igual mas de forma diferente. Há muitos anos eu percebo que, assim como alguns animais e plantas, eu tenho uma vontade involuntária de ouvir mais e falar menos, de ler mais, de criar, de parar e me demorar observando coisas que, em outros momentos, não coloco tanta atenção.
Coisas simples como olhar folhas caindo das árvores, o sol nascendo, a noite chegando, o barulho dos animais lá fora… a introspecção, de fato, toma conta de mim como um animal em pleno processo de hibernação e eu fui aprendendo ao longo dos anos a viver no ritmo invernal que me envolve nessa época.
No meio do inverno, em um dos meus silêncios, perdi de forma inesperada, o meu pai, o primeiro homem mais importante da minha vida. E, de repente, um inverno começou dentro de outro inverno, os dias que eram curtos pareciam não terminar, o céu tão cinzento mais parecia um pântano esfumaçado, os galhos secos das árvores contradiziam os olhos que derramavam lágrimas incessantes e o frio quase não se sentia comparado a dor. Quantas e por tantas vezes não sentei-me olhando para essa árvore e, em orações, agradeci a Deus ainda com a alma embebida de dor?
Depois das folhas outonais, veio o inverno e, em seguida, a primavera. Pouco a pouco os galhos secos da murta crepe começaram a encher de pequenos pontinhos brancos… era o prenúncio da chegada das flores! E, então, a árvore antes seca, foi enchendo seus ramos de folhas e flores. Chega o verão, os ramos parecem mais firmes e viris, as folhas verdes são vibrantes e bem definidas, uma explosão de vida diante dos meus olhos.
Meu pai se foi. A murta de crepe me lembra que toda natureza proclama a glória de Deus e que nada foge dos seus planos, que tudo tem lugar e hora. Como é bom descansar no Senhor mesmo quando sorrimos no inverno e choramos na primavera. Que bom poder recordar, enquanto olhamos flores em um arbusto, que a vida segue e que temos um pastor: Jesus, âncora da minha vida!
Há alguns anos, disse ao meu pai que ele era uma composição revestida de pedra e pétala.
A pedra é sinônimo de resistência e força mas também de rigidez. Já a pétala, simboliza delicadeza e fragilidade mas também doçura. Sim, ele expressava a sua doçura de formas bem específicas, quase imperceptíveis, mas estavam lá, eu as via.
E foram através dos significados dessas duas propriedades, pedra e pétala, que minhas conversas com o meu pai foram norteadas e aprofundadas durante os últimos anos de sua vida.
Eu posso testemunhar que, ao longo desses últimos cinco anos, vi a pedra se quebrar várias vezes em meu colo mesmo estando geograficamente tão distante. E eu também vi a pétala resistir a muitos temporais.
O “seu Luis da mercearia”, como tantos aqui o conheceram, passou por um processo de transformação espiritual silencioso durante esses últimos três anos de sua vida. Eu ouvi confissões de arrependimentos e lamentos, eu vi um homem que ia entregando o seu coração a Deus em meio às incertezas do futuro porque ele já entendia que só restava para ele uma vida de fé em Jesus Cristo como também nos lembra Pedro no livro de João 6:68: “Senhor, para quem iremos? Tu tens as palavras de vida eterna.”
Eu vi o coração de um homem embrutecido e calejado pela vida se quebrantando ao passo que professava a sua fé e como filha, eu posso dizer que foi um privilégio tê-lo apresentado o Deus que hoje sirvo mas que o neguei durante 21 anos de minha vida, esse Deus que conheci há seis anos e que mudou todo o meu viver e certamente o do meu pai também.
Pai: os seus valores de honestidade, integridade, hombridade, dignidade, coragem serão cultivados por mim e por Thalys pelo resto de nossas vidas. São a nossa verdadeira herança. A devoção que o senhor e a nossa mãe tiveram no compromisso da família e o amor de vocês dois serão para sempre lembrados por nós.
Nos veremos na Glória!
Agradecemos à todos os amigos e familiares que oraram pela vida do meu pai e que a vontade do Senhor fosse feita.
“E sabemos que todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados por seu decreto.” (Romanos 8:28)
Eu não consigo lembrar de você sem o seu violão, o seu sorriso com ares tímido (mas grandão) e a voz que aplacava o coração de quem te ouvia cantar.
Como volto agora para o nosso bairro sabendo que não terei a menor chance de ter o nosso encontro quase telepático debaixo do pé de tamarindo? Eu quase posso escutar as suas gargalhadas misturadas às nossas teorias inventadas: eu tentando renomear o nome dos planetas e você, reagrupar a tabela periódica. Eu criando rimas e você, algumas estrofes. Eu tentando recitar Florbela Espanca e você, adicionando Tim Maia pelo meio. Eu te contando sobre como eu odiava Latim e você, cantarolando qualquer coisa de Julio Iglesias só para me irritar. (e eu amava)
Como vou olhar para qualquer árvore frondosa em noite de lua brilhante e céu bem estrelado e não recordar essa voz tão, tão sua? Eu queria tanto ter te apresentado à minha família… tanto! Íamos formar um soneto de gargalhadas.
“Lu, Lu… minha amiga Lu. Vai dormir, menina.” Você dizia toda vez que passava e lá íamos tagarelar, feito duas matracas, coisas que ninguém entendia. Eu estava doida para te contar que aprendi a dormir cedo e acordar com as galinhas. Tantos anos se passaram, tanto aconteceu…
Parece até ironia, ainda hoje imaginei você cantando em um luau que sonho há anos. Você sempre esteve nele em minha cabeça e, às vezes, me perguntava se você iria aceitar ao meu convite. Já não importa, o luau será cancelado, ele não teria a menor graça sem você. Nenhuma!
Lu