A luz se acende no meio do picadeiro. Uma cortina se abre, e um palhaço salta em frente ao público. Nada faz. Fica ali parado como se se tratasse de um boneco de brinquedo. O silêncio do público é de expectativa. De onde virá a graça naquilo tudo? Mas hoje não haverá graça nenhuma, nem humor, nem estripulias, pois o palhaço quebrou. Todos os olhares concentrados nele e ele a olhar para o vazio, pensando no que fará a seguir. Talvez não faça nada, apenas dê um sorriso, falso, talvez diga buh! para fazer as crianças rirem assustadas, talvez mais um pulo e um adeus. Resolve por uma gargalhada. Todo mundo ri. Ele olha a todos calado, sério, tristíssimo palhaço, como naquele poema do poeta da antiga Desterro, Cruz e Souza. Novo silêncio e outra gargalhada, esta cômica, de acento hilariante. O público ri mais ainda e todos riem juntos, o palhaço que quebrou também. Mas o público quer novidades, quer imaginar coisas novas, porque imaginar sozinho não pode. O palhaço, calado, pensa. Uma criança ri sozinha tentando imitar os adultos. Quer ser aceita, como todos ali presentes, com exceção do palhaço. De repente um grito. O palhaço gritou. Gritou alto, um grito lancinante, de fera abatida, de monstro que se agita. O palhaço é vaiado, muitos se assustam, velhos, adultos, crianças. Mas ele continua no centro do picadeiro. O dono do circo sem compreender nada, nem as trapezistas, os equilibristas, os gospe-fogo e os malabares. Terá enlouquecido o palhacinho do circo? Terá cansado da vida de palhaço? Abruptamente dá um salto pra frente, e outro grito, ainda maior, como quem se aquece para a grande peça. O salto, um grito e outra gargalhada, a gargalhada mais triste já vista, carregada de deboche, de zombaria. Ninguém riu. Deu pena do palhaço, “olha”, alguém disse, “vejam, ele está com o coração partido”. O rosto cheio de lágrimas, o palhaço trepado nos limites do picadeiro encarava o público. A fantasia não lhe cabe naquele dia, talvez nunca mais lhe caiba. “É, sim, vejam, ele chora!” E, como que por contágio, repentinamente, as pessoas também começam a chorar, até mesmo os homens. Choram sem saber o que está havendo, o que vai acontecer. Choram por compartilharem a mesma fantasia, todos os dias, colocar e tirar a maquiagem, a roupa de palhaços, os sapatos compridos, os truques para fazer rir. Choram um choro que vai se avolumando, tornando-se caudaloso, como um rio de sofrimento e dificuldades. Choram as recordações, as saudades, as injustiças, a fome e o medo. Ele conseguiu o efeito. E o palhaço vai se despedindo num aceno, faz uma pirueta em pleno ar e, ainda limpando as lágrimas, houve os aplausos que não param, e volta ao picadeiro para um último grito, e todos gritam juntos, e o mundo se transforma, ao menos naquele momento, naquela noite. Toda a lógica do mundo quebrada, não pelo humor, mas pela dor. O palhaço é um sucesso, e é a primeira noite que não se lamenta por isso. Não sai feliz, nem triste, nem palhaço. Sai humano.
(Alexandre Magno da Silva)
(Alexandre Magno da Silva)
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